A ideia platônica da música boa

A ideia platônica da música boa

*Por Henri Figueiredo

A música brasileira já foi considerada a “melhor do mundo”? Sim, se considerarmos principalmente o público brasileiro, nossos artistas e alguns parceiros musicais estrangeiros de nossos compositores e intérpretes. Também, é claro, por um público seleto ao redor do planeta. Da mesma maneira, é considerada “a melhor do mundo” a música feita nos Estados Unidos da América, com sua estupenda audiência e imposição global do império fonográfico; “a melhor do mundo” também é a música feita na Índia, fundamental até hoje em qualquer filme rodado no país que mais produz cinema todo ano; ou a música ancestral de todos os recantos da África; “a melhor do mundo” é a música ritual dos povos originários das Américas, da Oceania e da Ásia insular; para muitos, a melhor é a música rítmica do islamismo sufi que faz os dançarinos girarem até cair em êxtase espiritual. Nietzsche disse algo como: “Só acredito num Deus que saiba dançar”, que, aliás, deu nome a um excelente livro do escritor e terapeuta gaúcho Sérgio Veleda – amante e estudioso da música e de tantas outras artes.

Muitos cientistas defendem que todos nascemos com ouvido absoluto – a capacidade de perceber e identificar cada nota, vinda de uma lira ou do ronco de uma moto. Algo que se perde, de acordo com os que defendem a tese, se não treinarmos tal capacidade desde a primeira infância. Eu tive a sorte de ter, em escola pública estadual no início dos anos 80, no Rio Grande do Sul, aula de música curricular: escolhi o violão. Antes, tinha tentado, em casa, a flauta doce e o clarinete. Até hoje volto ao violão com amor, respeito e dificuldade, lendo cifras e não notas musicais. Me encontrei melhor nos instrumentos percussivos e uma batucada de roda, uma boa bateria de bloco ou de escola de samba me enleva e me conduz a lugares indizíveis de prazer e de dissolução do ego: trato como uma experiência sensorial e emocional valorosa nessa vida.

Por ter voltado ao violão, baixei um aplicativo de cifras no celular. No segundo dia do ano, este app me notificou com uma lista das 10 cifras mais buscadas em 2023. Seis eram de música gospel, três de sertanejo (incluindo aí “Evidências” que, apesar de ser o maior hit de Chitãozinho e Xororó, é uma canção romântica composta por José Augusto) e, em sétimo lugar – entre as dez – o único ponto fora da curva: “Tempo Perdido”, da Legião Urbana – nome de banda que também batizaria lindamente qualquer grupo de Resistência às imposições do chamado Deus Mercado.

Aqui chegamos ao ponto crucial deste meu breve comentário que, friso, não vem com a pretensão nem com a metodologia necessária de ser uma tese. Menos, bem menos. No entanto, verifico há tempos o que muitos antes de mim também já verificaram: o elitismo cultural que desqualifica o gosto das massas e mede o bom, o belo e o justo pelos seus parâmetros de cidadãos e cidadãs ilustrados.

O próprio Carlinhos Lyra percebera, lá nos anos 60, que a Bossa Nova, cria do samba, renegava suas raízes no morro, nas favelas e nos guetos da música negra, da Bahia e do Rio, e sob a “influência do jazz” bebia em córregos gelados do Hemisfério Norte. Concordando com Lyra, Paulinho da Viola disse que até aceitava o argumento dos papas da Bossa Nova mas, com toda a sabedoria de quem parece que já nasceu ancião, lembrou que a rapaziada sentia a falta de um cavaco, de um pandeiro ou de um tamborim. Décadas antes, Noel Rosa brincava que o “cinema falado era o grande culpado da transformação”. E eu entendo que ele não se referia apenas às expressões idiomáticas mas também aos ritmos que nos chegavam de terras estrangeiras.

Em outubro de 2021, Caetano Veloso, verdadeira antena da aldeia, chamou o virtuose da percussão Pretinho da Serrinha para uma canção chamada “Sem samba não dá”. Nela diz que tudo está “esquisito, muito errado, mas a gente chega lá”. E derrama, em seguida, toda sua generosidade em relação à plêiade de novos artistas que surgem na onda do streaming, das redes sociais, na criação em laboratório de subgêneros feitos sob medida para arrebatar massas por um ou dois anos e, depois, sumirem. “Tem muito atrito, treta, tem muamba | Mas tem sertanejo, trap, pagodão | Anavitória, doce beijo d’onça | Mar(av)ília Mendonça, afinação” (…) Tem Ferrugem, Glória Groove, Maiara e Maraísa | Yoùn, Yoùn | Tem Djonga com Rogério | MC Cabelinho, tem Baco Exu do Blues (…) Tem Duda Beat, Gabriel do Borel, Hiran e Majur | Tz da Coronel | Tem Simone e Simaria sambando | Tem Leo Santana e a Mendonça | No Pelourinho com a Didá”. Só que sem samba não dá, conclui Caetano.

Em “Anjos Tronchos”, Caetano critica os donos das novas tecnologias vindas do Vale do Silício que incidem de forma muitas vezes perniciosa em vários aspectos da vida, inclusive na música. Contudo, ele finaliza a canção com versos que traduzem também o meu sentimento em relação ao estado das coisas na música contemporânea: “E enquanto nós nos perguntamos do início | Miss Eilish faz tudo do quarto com o irmão”. E que grandes artistas são a jovem Billie Eilish e seu irmão Finneas. Antes, Caetano, demarca: “Anjos já mi ou bi ou trilionários | Comandam só seus mi, bi, trilhões | E nós, quando não somos otários | Ouvimos Shoenberg, Webern, Cage, canções…”.

Fui ver a lista das músicas mais tocadas nos EUA de acordo com a revista Billboard, da Prometheus Global Media – especializada em informações sobre a indústria musical. 1) Brenda Lee, “Rockin’ Around the Christmas Tree” 2) Jack Harlow, “Lovin on Me” 3) Taylor Swift, “Is It Over Now? (Taylor’s Version) [From the Vault]” 4) Taylor Swift, “Cruel Summer” 5) Drake feat. J. Cole, “First Person Shooter” 6) Drake “Smile you out” feat. SZA 7) Doja Cat, “Paint the Town Red” 8) Zach Bryan “I remember everything” 9) Oliver Anthony “Rich men north of Richmond” 10) Jason Aldean “Try that in a small town”. E adivinhem só, para quem não conhece, a maioria é de “sertanejo americano” (ou country songs, perdoem-me os puristas), rap e a Taylor Swift – que depois dos megashows no Brasil no fim ano de 23, acredito que dispensa tanto apresentações quanto vilipêndios.

Não satisfeito (“I can’t get no!”), fui buscar a lista das dez mais tocadas no mundo, também de acordo com a Billboard. A reportagem começa assim: “Balada emo teatral. K-pop brincalhão. Camponeses de protesto irritados. Dueto sentimental sertanejo. Hip-hop e B lento com melaço. Rap pop viral. Músicas de quatro anos atrás, sete anos atrás, 65 anos atrás”. Claro que, neste ponto, falam de “Now and Then” dos Beatles.

Ah, eu tinha esquecido completamente do K-pop. Assim como qualquer brasileiro no mundo é abordado de maneira simpática para falar sobre futebol, quando a gente encontra um sul-coreano no Rio de Janeiro (nem todos falam inglês, mas hoje tem o modo intérprete do Google que resolve qualquer dificuldade de conversação) basta falar “K-pop” ou “K-music” para você imediatamente fazer um amigo feliz em saber que algo de sua cultura corre por terras brasilis – além do taekwondo, da Samsung, da LG e da Hyundai. Detalhe, podem ser adultos, falou em “K-pop” os sérios e desconfiados coreanos abrem um sorrisão e ficam de boas.

Eu vou finalizar essa reflexão com o trecho que postei, e citei acima, sobre as 10 cifras mais buscadas porque eu acredito, de fato, esta é uma lista muito mais, digamos, orgânica e representativa do gosto popular do que as listas das mais ouvidas/vendidas. Quando alguém vai atrás de sua canção preferida para aprender a tocá-la (como é bom tocar um instrumento, para lembrar mais uma vez Caetano) é que o negócio foi além do mero entretenimento e virou sentimento. Aqui, na minha irrelevante opinião lida pelos meus 7 leitores (se tanto), é que mora o perigo. Lá vai:

HAJA TAMPÃO DE OUVIDO! [ou A PASSOS LARGOS PARA UMA TEOCRACIA VIA HEGEMONIA CULTURAL] Esta lista, neste 2 de janeiro de 24, é a das 10 músicas mais buscadas para se tocar com cifra. Tomando como referência a minha própria experiência, toda vez que busquei cifra foi porque eu AMAVA determinada música. Por outro lado, faz tempo que deixei daquele mimimi do elitismo cultural que desqualifica o gosto popular. Contudo, todavia, porém, é chocante o Top Ten das mais buscadas num dos principais sites de cifras do Brasil – é o retrato de como o neopentecostalismo vai ganhando a guerra da hegemonia cultural. Não, eles não leram Antonio Gramsci (muito menos a Bíblia, que é acessório de suvaco) mas seus mais altos líderes leram e entenderam, muito melhor que maioria de nós. Para mudar uma sociedade ou, em outras palavras, fazer uma revolução é preciso, antes, estabelecer-se como hegemonia cultural. O que salva, ainda, é a Resistência, nesta lista verificada como Legião Urbana: “Tempo perdido”. O Renato Russo foi um baita profeta. Eu posso até ser tolerante com o gosto musical da massa ignara, como diria Gaspari. O que não aturo é gente que detesta Legião e fica comparando com outras bandas gringas que: 1) São piores instrumentistas; 2) Nem de longe têm ou tiveram um letrista/poeta como Russo no grupo. 3) Não alcançam o significado de divisor de águas que muitos artistas/grupos musicais nacionais exerceram na história da nossa grande música brasileira. Daí eu fico tão irritado a ponto de achar que o despencar da qualidade da música produzida no Brasil para as massas não foi apenas a facilitação do acesso e o barateamento do streaming, além da já calcificada exploração d@s músic@s profissionais. Foi também essa viralatice de pagar pau pra banda gringa que nem tem mais público pra lotar teatro no resto do mundo mas lota estádio no Brasil. Além, é claro, do projeto teocrático-fundamentalista-assassino que vai ganhando adeptos dispostos a matar e morrer por divindades, ídolos ou mitos.” [Postado no meu perfil de Fakebook em 2 de janeiro de 2024).

Quase ia esquecendo de como comecei. Platão teorizou muito sobre música. Atribuem a ele frases como “cuidado com o que o ‘governo’ faz você ouvir, música é frequência. O que você ouve determina a frequência em que você vibra”. Não há registro exato disso, mas a ideia faz sentido, como escreveu Paulo Costa e Silva, professor de Estética no Departamento de História e Teoria da Arte da Universidade Federal do Rio de Janeiro, em artigo na revista Piauí (cujo link está no final deste texto). Diz Paulo, no artigo “Platão e poder da música”.

– Deve-se ter em mente que, para Platão, o mecanismo psicológico da empatia descarta o filtro da razão. Ao se dirigir à parte sensível e irracional da alma, à sensibilidade e à afetividade, a imitação de tipos extremados alimenta no espectador sentimentos ruins, quando, nos termos do filósofo, o melhor seria deixá-los “secar”. (…)

– Mas nem tudo em Platão é censura e proibição. Como a arte deve ter um papel ativo na construção da pólis ideal, certos modelos são altamente recomendáveis. No próprio texto da República, ele aconselha a educação dos corpos pela ginástica e também pela musiké. Por essa palavra os gregos designavam uma combinação de poesia, música e dança. Na Antiguidade, a música possuía uma função catártica, de purificação. Colocava o corpo em equilíbrio, harmonizando-o com a ordem cósmica, preparando-o para a aparição do divino. Possuía também uma função mimética e indutora: se a poesia imitava os homens em ação, a música imitaria os estados de alma, suas emoções e virtudes. A cada modo musical atribuía-se um éthos, um caráter específico que o ouvinte associava de imediato a um significado psíquico, que poderia infundir ânimo e potencializar virtudes do corpo e do espírito. [A íntegra aqui: https://piaui.folha.uol.com.br/platao-e-o-poder-da-musica/ ]

Me despeço com as duas últimas estrofes de “Que tal um samba” de Chico Buarque e Hamilton de Holanda, escolhida a Melhor Canção de 2022 no Prêmio da Música Brasileira, entregue no Teatro Municipal do Rio de Janeiro.

Que tal uma beleza pura

No fim da borrasca?

Já depois de criar casca

E perder a ternura

Depois de muita bola fora da meta

De novo com a coluna ereta, que tal?

Juntar os cacos, ir à luta

Manter o rumo e a cadência

Esconjurar a ignorância, que tal?

Desmantelar a força bruta

Então que tal puxar um samba

Puxar um samba legal

Puxar um samba porreta

Depois de tanta mutreta

Depois de tanta cascata

Depois de tanta derrota

Depois de tanta demência

E de uma dor filha da puta, que tal?

Puxar um samba

Que tal um samba?

Um samba

*Repórter, produtor de espetáculos, roteirista e batuqueiro amador.

UMA (IN)CERTA MÍDIA SABOTA O PAÍS

O escandaloso recorte dado pelas vozes do Mercado para criar intrigas no governo Lula

*Por Henri Figueiredo

RIO DE JANEIRO – No café da manhã que promoveu com jornalistas no dia de seu aniversário de 78 anos, no último 27 de outubro, no Palácio do Planalto, em Brasília, Lula falou, ao menos, sobre duas dezenas de assuntos diferentes.

O evento durou 1 hora e 22 minutos. Começou com um pronunciamento de Lula, teve 6 perguntas de jornalistas respondidas – pela ordem de veículos: Valor Econômico, Brasil 247, Agência Reuters, Diário do Centro do Mundo (DCM), Grupo Globo e Folha de S.Paulo. Horas depois, nos sites da mídia comercial vinculada ao mercado financeiro, especialmente G1, Uol, Folha, Estadão e Valor Econômico começou um bombardeio com vistas a indispor Lula com seu ministro da Fazenda Fernando Haddad e a equipe econômica. O Deus Mercado, chamado por Lula de “ganancioso” por pressionar pela meta fiscal com déficit zero para 2024 (mesmo em detrimento de investimentos prioritários para o país), mostrou sua articulação midiática que foi refletida, ao fim do dia, na queda da bolsa e numa leve elevação do dólar. O título do cínico editorial da Folha, no dia seguinte, foi: “LULA SABOTA O PAÍS”, com chamada na capa, inclusive.

Assisti na íntegra e transcrevi vários trechos do evento para demonstrar o tamanho do desserviço que a mídia comercial comete no Brasil. Especialmente aqueles veículos midiáticos em internet, rádio, TV, jornais e revistas diretamente vinculados ao mercado financeiro, às teles, à indústria automotiva, à indústria farmacêutica e ao agronegócio.

Em seu pronunciamento, Lula tratou de geopolítica, de energia verde como um ativo importante para o desenvolvimento do país e para colocar o Brasil no centro dos investimentos mundiais nesse campo; fez um apanhado da série de programas sociais que foram retomados em 10 meses; discorreu sobre o volume de investimentos em apenas dez meses (em especial no Transporte) que foi maior do que em 4 anos do governo anterior; falou da retomada de investimentos em escolas, universidades, creches; tratou da questão da relação com o Congresso e da necessidade de se fazer concessões para garantir a governabilidade. O presidente Lula foi firme mas diplomático ao comentar os laivos golpistas nas Forças Armadas; desmascarou a narrativa midiática de que a proposta de trégua humanitária na guerra Israel-Hamas, feita pelo Brasil no Conselho de Segurança da ONU, teria sido um “fracasso”; criticou o poder de veto dos cinco membros permanentes daquele conselho; tratou da questão das mulheres na composição do governo e das indicações para vagas importantes como a da Procuradoria-Geral da República (PGR) e a do(a) próximo(a) ministro(a) do STF.

BRUNCH CIVILIZADO, EDITORES RAIVOSOS

Na verdade, o “café da manhã” com jornalistas foi um “brunch”: começou pouco antes do meio dia com uma fala de cerca de 6 minutos do ministro da Secretaria de Comunicação Social (Secom), o deputado federal e jornalista Paulo Pimenta. Ele fez o registro de que todos os programas sociais criados nos governos do PT e que tinham sido interrompidos desde 2016, mas especialmente no governo do miliciano, foram retomados – o último a ser relançado foi o “Luz para Todos”.

Pimenta também lembrou do protagonismo e da responsabilidade que o Brasil volta a ter na geopolítica, atualmente presidindo o Mercosul e com Lula, a partir de dezembro, assumindo a presidência do G-20. Também foi destacada a escolha de Belém, capital do Pará, para sediar a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP 30) em novembro 2025. Além disso, o ministro da Secom falou sobre a importância do recente discurso de Lula na abertura da Assembleia-Geral das Nações Unidas, em Nova York – além dos 50 pedidos de reuniões bilaterais de outras nações com o Brasil.

Paulo Pimenta ainda lembrou que o Brasil é, no momento, o país Presidente do Conselho de Segurança da ONU e tem um papel central como promotor de alternativas de paz no conflito entre o (grupo militante fundamentalista islâmico) Hamas e o Estado de Israel (sob um governo genocida de extrema-direita) – os parênteses são meus. O ministro lembrou também os esforços do governo federal em trazer de volta brasileiros e brasileiras que se encontram na zona de conflito. Ufa! Só para começar.

UM PRONUNCIAMENTO HUMANO. E DE ESTADISTA

Em seguida, Lula começa cumprimentando as jornalistas e os jornalistas presentes, brinca que pela primeira vez, por ideia de seu fotógrafo pessoal Ricardo Stuckert, os fotógrafos também tinham assento no café da manhã. Falou um pouco dos seus 78 anos. Confessou o receio, por medo de anestesia, em fazer a cirurgia pela qual passou para implantar uma prótese de ligação entre o fêmur e a bacia. Detalhou como foi o processo de recuperação. Informou que está cumprindo ordens médicas de não viajar de avião neste período pelo risco de trombose e que sua próxima viagem será para COP-28, nos Emirados Árabes Unidos e, talvez, antes, para apresentar o modelo do PAC na Arábia Saudita. De acordo com Lula, 2024 será um ano inteiro de viagens dele pelo Brasil para inaugurar obras, escolas, universidades. Falou da disposição em atrair investimentos para que o Brasil se desenvolva e “dê um salto de qualidade”.

Lula lembrou como se comportou ao assumir pela primeira vez a Presidência, em 2003 – com o país em crise de confiança e numa situação péssima na economia. Pontuou que não queria fazer um balanço dos dez primeiros meses deste seu terceiro mandato: o que deverá acontecer em dezembro. No entanto, registrou que nesse período já anunciou mais políticas públicas do que nos seus quatro primeiros anos de governo, entre 2003 e 2006. O motivo, segundo ele, é o fato de que a maioria dos programas foram apenas reativados e era preciso recolocar “a casa em ordem”. Lembrou que, apenas na área do Transporte, já foi investido R$ 23 bilhões em dez meses contra R$ 20 bilhões de todo governo Bolsonaro. E frisou que essa comparação pode ser feita em todas as outras áreas do governo federal e o resultado será proporcionalmente parecido.

Mencionou as secas em grandes rios do Brasil e mais enchentes no Sul, causadas por sucessivos ciclones: consequência das mudanças climáticas e as tragédias humanitárias decorrentes.

Disse que, por outro lado, está otimista porque a previsão é de crescimento de 3% no PIB brasileiro em 2023. Avisou que, em 2024, deve ser mais difícil em função de questões geopolíticas.

Encaminhou o pronunciamento falando dos mais de 21 mil médicos no Programa Mais Médicos e que a meta é alcançar 28 mil médicos. E ainda lembrou que nem ele nem a ministra da Saúde fizeram publicidade em nenhum dos mais de 4,2 mil municípios que receberam esses profissionais da Saúde – muitas cidades que estão tendo seus primeiros médicos fixos. Falou que está comprometido em estabelecer convênios do SUS com uma rede de médicos especialistas para fazer a fila andar quando são requeridos exames mais complexos.

Lembrou que o Brasil tem, a partir de 2024, um potencial de entrar no mundo da energia verde e pode produzir e vender mais do que qualquer outro país do mundo. “O Brasil será o berçário desse novo mundo de investimento chamado ‘energia verde’”, disse. Continuou informando que o país tem 40 milhões de hectares de terras degradadas que podem ser recuperadas para a agricultura sem precisar derrubar mais nenhuma árvore.

“O Brasil já garantiu estabilidade social, estabilidade fiscal e estabilidade jurídica e previsibilidade. Então esse país se apresenta imbatível para quem quiser fazer investimento construindo parcerias para que venham produzir e não apenas, com seus fundos, explorar as taxas de juros altas”, comentou com uma nem tão sutil alfinetada no comando do Banco Central e nos especuladores financeiros.

Provocou os jornalistas: “Vocês não lembram mais de quando o Brasil cresceu 3% ao ano”. E arrematou: “Quando eu deixei o meu segundo governo, em 2010, o Brasil estava crescendo a 7,5% ao ano”.

Afirmou que vai viver muito porque tem uma causa: o Brasil e o povo brasileiro. Que precisa tirar da cabeça das pessoas a ideia de que seu governo “gosta de pobre”, o que quer, disse, é que as pessoas deixem de ser pobres, quer criar uma sociedade de classe média. “As pessoas querem vencer e o papel do governo é dar oportunidade para as pessoas vencerem, crescerem e melhorarem de vida. Por isso, vamos investir muito em educação”, discorreu.

Falando de improviso, fez chistes com suas já clássicas metáforas futebolísticas para, em seguida, falar da responsabilidade de aprovar a política tributária e mudar a relação capital-trabalho, dos direitos dos trabalhadores e trabalhadoras das empresas de aplicativo, por exemplo. E falou da preocupação com os jovens, que precisavam voltar a sonhar, acreditar e ter esperança. Assim finalizou seu pronunciamento inicial.

PERGUNTAS MAIS ESPINHOSAS SÃO DA MÍDIA CONTRA-HEGEMÔNICA. AS MAIS CAPCIOSAS, DA MÍDIA DO MERCADO

Na sequência, um assessor lembrou que estavam presentes 38 jornalistas e que talvez já houvesse 76 perguntas engatilhadas. Lula ainda retomou a palavra para informar que conversou com muita gente sobre a guerra entre Israel e Hamas. “Comecei falando com o presidente de Israel, falei com o presidente da Autoridade Palestina, depois com o presidente do Irã, da Turquia, do Egito, dos Emirados Árabes, da França, com Conselho Europeu, com o emir do Catar; ainda tenho de falar com o presidente Xi Jinping (da China)… e com presidente da União Europeia Pedro Sánchez, com ele para discutir os acordos com o Mercosul”.

Em seguida, começou, de fato, a entrevista coletiva. A ideia aqui não é transcrever na íntegra, mas destacar algumas respostas. No final do texto, o link para o vídeo do evento.

1) A primeira pergunta foi do jornalista do Valor Econômico que questionou se ele, com o ministro Haddad, selaram os nomes dos indicados para o Banco Central e, em seguida, cutucou dizendo que a tentativa do Brasil em mediar a guerra entre Rússia e Ucrânia não deu certo. Ainda perguntou qual a prioridade de Lula.

Da longa resposta de Lula, a melhor frase, na minha opinião, foi: “Alguém tem de falar em paz. Então eu vou continuar falando em paz”.

2) A segunda pergunta foi de Tereza Cruvinel, para o Brasil 247, que questionou sobre o crescente poder do Legislativo sobre atribuições do Executivo. Lembrou da entrega da Presidência da Caixa para garantir votos na Câmara, com o Centrão; do Senado rejeitando o nome indicado por Lula para a Defensoria Pública da União; aprovação do Marco Temporal contrariando, inclusive, decisão do Supremo – e o litígio entre o Senado e o STF. Perguntou: “Como o senhor pretende administrar esse avanço crescente do Poder Legislativo sobre o futuro do seu governo? Qual é o limite das negociações ou concessões para garantir a governabilidade?

Lula, na resposta, foi de uma diplomacia aterradora que revelou, mais uma vez, todo o seu traquejo político em driblar perguntas difíceis e bem elaboradas no que pode ser resumido nas sentenças: “Tereza, o que você está assistindo é o exercício da democracia em sua total plenitude. O Congresso Nacional existe pra isso”.

3) A terceira pergunta foi feita pela jornalista Lisandra Paraguassu, da Agência Reuters. Ela voltou ao tema do envolvimento de Lula na questão da Ucrânia. “E agora parte da sociedade diz que o governo não estava condenando o Hamas o suficiente. E como o Brasil pode negociar uma trégua e como fazer para retirar os brasileiros que ainda estão na zona de guerra?”

Lula respondeu algo que é absolutamente omitido pela mídia do mercado financeiro no Brasil. “Primeiro, o Brasil só reconhece como organização terrorista o que o Conselho de Segurança da ONU reconhece. E o Hamas não é, para o Conselho de Segurança da ONU, considerado uma organização terrorista: disputou eleições e ganhou na Faixa de Gaza. O que nós dissemos é que o ato do Hamas foi terrorista. Da mesma forma não podemos concordar com o governo de Israel que trata a guerra como se, em Gaza, só houvesse soldados do Hamas e não civis, mulheres e crianças. Essa é a posição do Brasil que foi reconhecida e elogiada nas Nações Unidas. Vi manchete de jornal dizendo que a proposta do Brasil foi rejeitada. É mentira, não foi rejeitada. Havia 15 votos em jogo, a posição do Brasil foi aprovada por 12 votos, 2 abstenções e 1 voto contra. Nossa proposta não foi “rejeitada”, ela foi VETADA por uma loucura chamada “direito de veto” dos cinco países titulares no Conselho de Segurança da ONU. O que somos radicalmente contra, isso não é democrático! E veja que nossa proposta foi apoiada por dois países que têm direito de veto: a França e a China. E duas abstenções de países com direito de veto: Rússia e Inglaterra. E os Estados Unidos assumiram a responsabilidade de vetar.

4) Leandro Fortes, do Diário do Centro do Mundo (DCM) discutiu a potencialização da tutela militar nos eventos de 8 de janeiro e antes, com os acampamentos golpistas diante dos quartéis – o que deixou claro o envolvimento das Forças Armadas em ações antidemocráticas. Pergunta se há uma estratégia nacional de defesa que intervenha na formação das escolas militares brasileiras, para praças e oficiais, para retirar o enorme contingente que está congelado na Guerra Fria, na Doutrina de Segurança Nacional, no anticomunismo, no golpismo. “O senhor acha que a reformatação da Comissão Nacional da Verdade pode ajudar nisso?”

Lula rebateu dizendo que não considerava o termo “intervenção” o mais correto. “A gente trabalha a ideia de que militar não é melhor que civil, civil não é melhor que militar. Os militares têm é de cumprir sua função constitucional. O que aconteceu, no 8 de janeiro, foi um desvio pela existência de um governante que não sabia governar e que achava que podia utilizar as instituições como instrumento dele para fazer política. Enquanto eu for presidente não tem GLO (sigla para Garantia da Lei e da Ordem – instrumento de intervenção militar). Temos uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) no Congresso que diz que o militar que quiser entrar na política que entre, mas para isso ele vai precisar deixar as Forças Armadas.”

5) Delis Ortiz, da Globo, fez a quinta pergunta. “O senhor tinha três mulheres no governo que foram substituídas por homens, dentro dessa negociação que o senhor não abre mão.” Lula interrompeu, sorrindo: “Isso não é um a pergunta, é uma afirmação verdadeira.” Na sequência, Delis, pergunta: “E as vagas na PGR e no Supremo, vão ficar para 2024, já que o senhor não tem pressa?”

Lula responde que lamenta profundamente não poder indicar mais mulheres do que homens no governo. “Mas quando a gente estabelece aliança com um partido político, nem sempre ele tem uma mulher para indicar, ainda que eu tenha pedido para fazer esse esforço. Eu quero passar a ideia de que a mulher veio para a política para ficar. Tenho disposição política de indicar mais mulheres. A segunda coisa, não é que eu não tenho pressa para fazer as indicações – é que eu estava com dores, precisando da cirurgia. Eu vou escolher as pessoas certas e adequadas em função da realidade política. (…) Talvez eu termine meu governo com mais mulheres no governo porque muita gente vai sair para concorrer no ano que vem”.

6) A repórter da Folha de S.Paulo fez a pergunta número seis. “Ainda na seara do Supremo, objetivamente, o que senhor acha do nome de Flavio Dino – que é colocado como preferencial – e se o senhor teme uma reação do Senado ao nome dele. E eu também queria saber se o senhor considera que a meta fiscal já é considerada irreal para o ano que vem. Já que o senhor disse que o ano que vem vai ser difícil, o senhor acha que o déficit zero é irreal OU A GENTE AINDA PODE CONTAR COM ISSO?

Agora, eu vou transcrever, em duas partes, a íntegra a resposta de Lula, depois de uma brincadeira dele sobre que o seu medo, pelo que ele conhece do Flavio Dino, é que a manchete de jornal seja: “Lula tem preferência por Flavio Dino”.

PARTE A – DINO E INDICAÇÃO AO SUPREMO

“Eu tenho em mente pessoas da mais alta qualificação política desse país. Muitas, não apenas uma. Obviamente que sou obrigado a reconhecer que o Flavio Dino é uma pessoa altamente qualificada do ponto de vista do conhecimento jurídico, altamente qualificada do ponto vista político, e é uma pessoa que pode contribuir muito. Mas eu fico pensando aonde é que o Flavio Dino será mais justo e melhor para o Brasil? É na Suprema Corte ou é no Ministério da Justiça? Aí tem outra pessoa que eu fico pensando: onde será mais justo, no lugar onde ele está ou na Suprema Corte? Isso é uma dúvida que eu tenho e que vou conversar com muita gente ainda, até a hora de escolher. Tá chegando a hora de escolher e vou escolher a pessoa certa. Eu tive o prazer de indicar… acho que fui o presidente que mais indicou ministros da Suprema Corte. Nunca pedi nenhum favor a eles, nunca pedi para votar alguma coisa a meu favor. Porque eu não escolho pelo critério da amizade: botar um amigo para votar o que eu preciso. Não quero isso. (A jornalista faz uma nova pergunta mas fica inaudível). Lula prossegue: “Pode, pode tudo. Pode ser homem, mulher, negro, negra. Mas tenho muito tranquilidade pelo meu acúmulo de experiência na indicação de gente. Agora que estou recuperado está chegando a hora de tomar a decisão, então logo vocês saber quem vou indicar.”

NESTE MOMENTO UM ASSESSOR ENCAMINHA O ENCERRAMENTO DA COLETIVA, MAS A REPÓRTER INSISTE NA SEGUNDA PERGUNTA SOBRE A META FISCAL

PARTE B – META FISCAL, DÉFICIT ZERO E AMBIÇÃO DO MERCADO

Lula: “Deixa eu dizer pra vocês uma coisa. Tudo o que a gente puder fazer para cumprir a meta fiscal a gente vai cumprir. O que eu posso te dizer é que ela não precisa ser zero. O país não precisa disso. Eu não vou estabelecer uma meta fiscal que me obrigue a começar o ano fazendo corte de bilhões nas obras que são prioritárias para esse país. Sabe? Então, eu acho que muitas vezes O MERCADO É GANANCIOSO DEMAIS E FICA COBRANDO UMA META QUE ELE SABE QUE NÃO VAI SER CUMPRIDA. Eu sei da disposição do Haddad, sei da vontade do Haddad, sei da minha disposição e quero dizer pra vocês que nós, dificilmente, chegaremos à meta zero. Até porque eu não quero fazer cortes de investimento em obras. E se o Brasil tiver um déficit de 0,5%? O que é? 0,25 o que é? NADA! Praticamente nada! Então nós vamos tomar a decisão correta e fazer aquilo que é melhor para o Brasil.”

Até aqui foram 1 hora e 18 minutos de transmissão.

Lula falou ainda mais poucos minutos agradecendo a presença dos jornalistas e lamentou que foi impossível que todos fizessem perguntas. Assegurou que até o fim do ano ainda fará um balanço de governo noutro encontro com os jornalistas. No final, Lula brincou com o ministro Paulo Pimenta que “a imprensa está com tão boa cabeça que achava que chegaria e teria um monte de presentes”. “Não vi um!”, riu. O ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência, Márcio Macedo, foi profético num breve comentário: “O presente será a repercussão!” Lula ainda teve a grandeza de, sutilmente, vetar a proposta de um “Parabéns pra você!” feita por Pimenta dizendo que o mundo está mais pra tristeza do que para a alegria com a morte de tantas crianças na guerra. Mesmo assim, o “parabéns” foi puxado e saiu xoxo.

No mesmo dia, nos sites de notícias da mídia comercial vinculada ao mercado financeiro, Lula recebeu muitos presentes… “de grego”. Todos reproduzidos, no dia seguinte, 28 de outubro, em manchetes dos principais jornais da mídia que é a voz do mercado financeiro. Sem exceção, recortaram apenas a fala final do presidente sobre a não necessidade de “déficit zero”, passaram recibo pela crítica feita por ele sobre a “ganância do mercado” em editoriais raivosos, artigos de “jornalistas” que são as vozes dos donos e de “especialistas” que são oposição declarada ao programa de governo vitorioso nas urnas nas eleições de exato um ano atrás.

Depois, disso tudo, acho que não resta dúvida sobre quem, de fato, sabota o país e a sua principal liderança política.

*Jornalista

ASSISTA AQUI A ÍNTEGRA DO PRONUNCIAMENTO E DA COLETIVA DE IMPRENSA

https://www.youtube.com/watch?v=hn4wTbWgFJQ

A MÃO DE FARACO, COMPOSTA EM 2018, AGORA É LANÇADA COMO SINGLE E NOS SACODE COM A DURA REALIDADE DE QUE AINDA TEMOS MUITA TREVA A ATRAVESSAR

*Por Henri Figueiredo

Foi lançado um single do cantor, compositor e genial mestre das cordas Márcio Faraco, gaúcho de Bagé, filho de gaúcha com pernambucano. Marcio viveu a infância no Recife e a juventude no Rio de Janeiro até que, em 1992, mudou para Paris e de lá só sai para turnês pela Europa – onde lota teatros e casas de espetáculos com os amantes do melhor da música brasileira.

Faraco é mais conhecido fora do Brasil. Consta que foi o Chico Buarque que o incentivou a começar a escrever suas próprias letras, instrumentista virtuose que sempre foi. Humanista, diria até um iluminista contemporâneo, falam que tem personalidade difícil e é muito reservado.

Essa linda canção de luta pode soar um tanto fora de tempo, sendo relançada só agora como single no Spotify – especialmente para nós, da Resistência Democrática, depois da vitória eleitoral em âmbito nacional contra o fascismo na mais difícil eleição da história brasileira, em 2022. Na terceira audição da canção me dei conta, um tanto chocado com a constatação, de que temos de fato um longo caminho de dor e loucura numa noite escura em que não podemos nos perder.

Acho que esse relançamento, agora no streaming, RESSIGNIFICA, em 2023, a frase que adotamos como autodefesa e unidade diante da barbárie instalada desde 2016 e aprofundada depois de 2019: “NINGUÉM SOLTA A MÃO DE NINGUÉM”. Eu ouço como um alerta, não tardio, porque Faraco, bardo, lembrava à época: vão tentar dividir para conquistar – e isso, hoje, continua em curso com nossa frente ampla se digladiando por dentro. Não podemos nos perder. Ouçam essa preciosidade à altura lírica de Vinicius e Chico; da cepa harmônica e de arranjo que lembra Tom Jobim, Aldir e P.C.Pinheiro, Gonzaguinha, Belchior, Baden Powell – aliás “Berimbau” é lembrada numa frase musical. OUÇAM ESSA PRECIOSIDADE! O vídeo no primeiro comentário. Procurem no Spotify.

Mão na Mão

(Márcio Faraco)

As águas nos olhos do seu Francisco

O chão vermelho de Salvador

João e José juntos correm risco

Ela não voltou da noite de horror

Pobres, índios e negros na mira

São sempre os mesmos suspeitos

O menino corre, o drone atira

E a televisão diz: “bem feito!”

Ninguém solta a mão de ninguém

Eu sei que a noite será escura

Um longo caminho, de dor e procura

Mas não podemos nos perder

Vão nos ouvir, vão nos perseguir

Vão querer nos calar, vão nos reprimir

Vão delatar, vão espionar

Vão tentar dividir para conquistar

Quando o silêncio chegar

Querendo nos impedir

Nunca deixaremos de cantar

Mão na mão vamos resistir

Ninguém solta a mão de ninguém

Eu sei que a noite será escura

Um longo caminho, de dor e procura

Mas não podemos nos perder

Ninguém solta a mão de ninguém

Eu sei que a noite será escura

Um longo caminho, de dor e loucura

Mas não podemos nos perder

Ninguém solta a mão de ninguém

Ninguém solta a mão de ninguém

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Ficha Técnica

Márcio Faraco – violão e voz

Julio Gonçalves – percussão

Ricardo Feijão – baixo

Zé Luiz Nascimento – percussāo

Robson Galdino – cavaquinho

Cacao de Queiroz – clarineta

Sérgio Galvão – clarineta

Ana Guanabara – coro

Virgínia Cambuci – coro

Naïa Sotolongo – coro

Gravação

Studio Robsound/Paris

Videoclipe

Direção e produção

João Pedro Nogueira

© Copyright Márcio Faraco – 2018

AFINAL, A ‘ESQUERDA’ REALMENTE PERDE DE GOLEADA PARA ‘DIREITA’ QUANDO O ASSUNTO É MÍDIA DIGITAL?

*Por Henri Figueiredo

Imagem originalmente publicada em https://www.vittude.com/blog/impactos-redes-sociais-saude-mental/

É muito frequente, desde o golpe de Estado de 2016, lermos em grupos de Facebook, depois Whatsapp, Telegram e, inclusive, em artigos publicados na imprensa (ligada ou não ao mercado financeiro) que “a Esquerda perde de 7 x 1, 10 x 0 ou 22 x 13 da Direita” quando se trata de comunicar e organizar sua militância especialmente nas novas mídias digitais. Será bem assim? Ora, tive uma lição inesquecível na universidade – de um querido professor militante de Esquerda e ex-secretário de Comunicação do PT nos seus grandes anos em Porto Alegre –, lição válida e aferível ainda hoje. Ei-la: se somarmos os profissionais de comunicação social, com foco nos jornalistas, das centrais sindicais combativas e não pelegas, mais a tropa de jornalistas, fotógrafos, designers etc. de sindicatos ligados a essas centrais, mais toda a companheirada que atua na comunicação dos gabinetes de parlamentares, bancadas, partidos políticos do campo democrático popular, movimentos sociais etcetera etcetera, chegaremos a um volume tamanho de gente qualificada pra fazer boa comunicação digital que supera, em muito, o número de profissionais que estão produzindo conteúdo nos veículos ligados ao capital como Grupo Globo, Bandeirantes, Record et alli.

Houve uma máxima que eu passei a combater internamente em campanhas eleitorais, nas quais integrei ou dirigi a Comunicação, que dizia: “Se perdermos a eleição será por causa da comunicação. Se ganharmos a eleição, será apesar da nossa comunicação”. Hoje, ao que parece, a máxima mudou na Era Digital para a analogia futebolística que titula este breve artigo mas a ideia de fundo é a mesma: somos incompetentes, nós os profissionais de comunicação de Esquerda e também a militância ativista em redes, para enfrentar esse monstro, essa quimera assustadora, esse poderio digital da Direita.

Sem a pretensão de redefinir a lei da gravidade – que foi desafiada com méritos por Santos Dumont e outros de sua época –, nem querer reinventar a roda – o que ainda hoje ninguém conseguiu talvez porque deixamos de ensinar geometria com qualidade em todo sistema de ensino –, vou enumerar algumas questões que problematizam (adoro esse neologismo) essa percepção generalizada. Percepção, aliás, da qual discordo não apenas por ser profissional e ativista de comunicação popular no campo democrático e na área digital, mas também porque já vivi batalhas vitoriosas contra partidos, coligações e até mesmo conglomerados de mídia que, não obstante terem os mais modernos meios de produção, recursos financeiros e empregados competentes e inovadores, mesmo assim não foram capazes de vencer nossas ideias, propostas e políticas. Friso: ideias, propostas e políticas – porque sem elas, não há comunicação impressa, verbal, digital, telepática ou psicografada que dê jeito. Vamos aos pontos:

1) A disrupção da hegemonia da comunicação impressa, radiofônica e, principalmente, televisiva em campanhas eleitorais se deu em 2008 quando o candidato do partido Democrata Barack Obama conseguiu arrecadar muito mais dinheiro via Facebook do que pelos métodos tradicionais de até então e de até hoje, diga-se: doações de milionários, jantares vip e ação de lobistas, por exemplo. À diferença da quebra capitalista de 2008, a maior desde a de 1929, os efeitos da crise mundial só chegaram no Brasil a partir de 2013 – e, ainda assim, conseguimos reeleger Dilma em 2014 na maior frente de Esquerda construída desde aquela de 1989 organizada para derrotar Collor. (Brindemos às batalhas que perdemos juntos, escreveu Drexler.) De maneira parecida, o uso das novas mídias digitais – e aí vou focar nas redes sociais – só começou a ser levado a sério a partir da campanha de 2014, tanto pela Esquerda quanto pela Direita. E a Esquerda, naquele ano, contra a mídia comercial hegemônica, contra os movimentos radicalizados das jornadas de junho e julho de 2013 – cuja pauta foi sequestrada e deturpada por grupos fascistas –, contra toda a Direita, o mercado financeiro, o agronegócio e os EUA alinhados com Aécio, ainda assim saiu-se vitoriosa. Ao menos por algumas semanas – mas não vou lembrar do Levy agora, até porque de maneira leviana tem gente que hoje tenta fazer uma falsa equivalênca entre ele o nosso atual ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Resumo: em 2014, a Esquerda ganhou de goleada da Direita nas redes sociais e mídias digitais e esse foi um fator decisivo para a reeleição de Dilma.

2) A Direita não é burra. A burrice é uma característica intrínseca de parcelas como, num extremo, o bolsonarismo com laivos nazifascistas e, noutro extremo, de setores radicalizados de Esquerda que pregam a revolução comunista e a ditadura do proletariado nos moldes de 1917 sem perceber que tudo no mundo mudou, principalmente o mundo do trabalho que é de onde, teoricamente, deveria nascer, crescer e prosperar esses movimentos junto aos campesinos. Falta só combinar com o MST, por exemplo, que hoje é o maior produtor de arroz orgânico, sem pesticidas, do Brasil e, provavelmente do continente. Pelo fato de a Direita não ser burra, portanto, é que rapidinho ela entendeu o que aconteceu na eleição de Obama e cooptou a principal jovem que desenvolveu o sistema de arrecadação via internet. Mediante bilhões (money talks) levou a garota para suas fileiras, tornando-a vice-presidente da famigerada e extinta Cambridge Analytica, em Londres. No Brasil, de maneira semelhante, a Direita passou a formar, desde a cooptação nos movimentos estudantis de ensino médio e universitário, um grupo para o qual foram pagas viagens, cursos e um “mindset” (programação, lavagem cerebral) liberalóide quando não abertamente neofascista. Poderia listar uma dúzia de deputados e deputadas federais e estaduais (alguns já em terceiro mandato) que são crias desse movimento internacional conservador e extremista que tenta combater o moinho de vento que eles chamam “marxismo cultural” (perdão, Cervantes, por alusão tão pobre de sua principal obra).

3) Militante é militante. Ativista digital é ativista digital. Uma criatura que dizem que existe, parece lenda mas existe, eu já vi, é o militante que também é ativista digital. Tenha-se por “militante” aquele que vai à reunião, que debate presencialmente, que não falta à plenária, que põe o pé na poeira, no barro e na lama para entrar nas quebradas mais pobres e falar com o povo que nada tem. Tenha-se por “ativista digital” aquele que usa todas as suas redes para fazer política, defender seu campo, seus nomes que pleiteiam cargos eletivos, para defender pautas de interesse público e/ou corporativo. São dois espécimes da mesma família cujo cruzamento, em cativeiro ou naturalmente, produziu o militante digital. É raro e, como híbrido, é mais forte, menos propenso a doenças infantis como o esquerdismo. Resiliente pode passar anos a fio tentando convencer tanto os militantes raiz quanto os ativistas digitais nutella que “todos somos um só”, “que todos precisamos trabalhar nas redes e nas ruas”. Eu sinto empatia pelo militante digital. Poderia até dizer que eu mesmo, aos 50 anos, sou uma exemplar ancestral, quase arqueológico, desse espécime.

4) Teve um momento de virada em que a Direita, de fato, assumiu a liderança em ‘fazer política’ via redes sociais. O problema é que, em geral, as práticas eram tão podres quanto historicamente foi o discurso mentiroso dos poderosos para cabalar, ou cabrestear, voto de pobre. Explico: a direita começou a usar as redes sociais abusando de perfis falsos e, do anonimato, espalhando mentiras, notícias falsas (fake news) e assassinando reputações. Foi tão avassalador que um dia ouvi de um prefeito, ex-sindicalista: “Precisamos fazer o mesmo que eles, ou então vamos perder!” A custo o convenci do contrário: não podemos nos rebaixar ao esgoto da política, temos meios de, sem mentir, sem produzir fake news, mobilizar as pessoas tratando do que interessa as pessoas: pão, paz e terra (obrigado, bolcheviques e, depois, e a Teologia da Libertação). Lembro que tratei, em um artigo de 2019, da pauta identitária. Nele cito e volto a citar a Cynara Menezes, nossa querida Socialista Morena, que racionava algo do tipo: a gente, como Esquerda, quer lutar para fazer a sociedade evoluir, avançar, ou vamos, para ganhar eleições, fazer o mesmo jogo vil, baixo, mentiroso e contagioso que está fazendo a sociedade não só se atrasar mas andar para trás? Vejam bem, sendo pragmático e tendo vivido a Realpolitik, é claro que “nós” fizemos também o jogo rasteiro nas redes – entramos na trincheira do inimigo e alguns tomaram gosto. Mas a utopia serve para caminhar, para olhar em frente e seguir, já citava Galeano.

5) O rádio não acabou com o telegrama. A TV não acabou com o rádio nem com o telegrama. O cinema não acabou com a TV. O streaming da Netflix, Globoplay e assemelhados não vai acabar com o cinema. No entanto, contudo, porém, as redes sociais estão acabando com a saúde mental de parcelas cada vez maiores da população mundial – em todas as faixas etárias. É tóxico. Não sou eu que digo. Já que vocês estão com o celular na mão, ou em frente a um black mirror, deem um Google “redes sociais, saúde mental, ciências, pesquisas”.

6) É preciso regular, no mundo inteiro, o uso das redes sociais e das mídias digitais. Assim como nos EUA e em vários países europeus, o Brasil também já está trabalhando nisso. O deputado federal Orlando Silva (PCdoB) é o relator do nosso projeto. Lembrando que o Brasil aprovou um belíssimo “Marco Legal da Internet”, à época relatado pelo então deputado federal Alessandro Molon. Virou letra morta. Nosso trabalho militante hoje é fazer com que a lei relatada por Orlando Silva seja aprovada e “pegue”.

7) Assim como existe uma vasta rede subterrânea (isso é uma metáfora, ok?) de haters (odiosos odiadores), que se espalhou para a juventude dos games (aficciondos em jogos on-line) e tem criado células autodenomidas “red pill” (uma distorção criminosa de uma ideia genial das irmãs Warchoski no primeiro “Matrix) de onde estão saindo sociopatas assassinos de crianças em escolas, misóginos e teóricos da conspiração ultradireitistas, existe também uma grande rede de influenciadores humanistas, antirracistas, feministas, pela liberdade religiosa, pela livre orientação sexual. Aliás, falando nisso, talvez o melhor nome para definir a sociopatia do jovem (ou nem tão jovem) que passa o dia on-line falando mal de mulher, da Esquerda e de tudo que ele tem medo, não conhece ou não entende é INCEL, os celibatários involuntários, na sigla em inglês. Aí eu penso como, de fato!, Wilhelm Reich, o psiquiatra austríaco que foi, com Jung, um dos principais orientandos de Freud, tinha razão ao conceituar a “peste emocional” da qual está acometida toda sociedade moralista, que vive guerreando (inclusive dentro de casa) e sufocando sua atração sexual, sua pulsão vital, trocando-as por crença religiosa, vibrando sua baixo auto-estima, sofrendo e reagindo pela sua incapacidade de ouvir nãos, ou por negação do próprio desejo. Meninos mimados não podem reger a nação, disse Criolo – numa referência a 01, 02 e 03. Meninos doentes não podem amedrontar a nação. A rede é tóxica e, todavia, reflete uma sociedade adoecida que precisa de cura. Como? Reich e Paulo Freire teriam, sem dúvida, as respostas. Aliás, eles se foram, mas alguma das respostas estão em suas obras.

Afinal, a Esquerda perde de goleada para Direita nas redes sociais? Esse foi o mote, o gancho, a faísca que me fez sentar aqui e escrever no fluxo da consciência. Acho que não respondi. Só criei mais dúvidas e fiz digressões correlatas mas, quero crer, importantes para o contexto. Dou-me conta: trata-se de uma falsa premissa. Se mergulharmos por alguns segundos, e de olhos bem abertos, nos conceitos com os quais trabalhamos, talvez enxerguemos que o conjunto da sociedade está “perdendo de 10 x 0” para redes sociais. Encerro por aqui tais elucubrações porque provavelmente o busílis da questão não esteja mais na disputa democrática de ideias, conceitos, interesses; talvez a chave esteja na saúde mental. Agora me deem licença que vou bater um papo com a minha Inteligência Artificial – preciso fazê-la aprender algumas expressões idiomáticas e não responder ao pé da letra, como nos ensinou o cineasta e roteirista Jorge Furtado ao perguntar pra sua IA: “Em caminho de paca, tatu caminha dentro?” A resposta da IA: “Não é comum que os tatus caminhem dentro de caminhos de pacas, já que esses animais geralmente têm hábitos noturnos e solitários, e não costumam compartilhar tocas ou buracos com outras espécies”.

*Henri Figueiredo é jornalista e, nos últimos anos, perdeu a paciência para revisar seus próprios textos. Militante filiado ao PT, é ativista digital e tem a HMF, que faz consultoria em mídia e cultura.

O TEMPO FOGE

*Por Henri Figueiredo

RIO DE JANEIRO | No próximo 7 de abril, meu site completa 10 anos – o lancei, em 2013, porque sentia na eletricidade do ar a disrupção de uma maneira de comunicar e o surgimento de outra: o que, de fato, aconteceu nas famosas jornadas de junho e julho de 2013. Politicamente fui, no início, a favor – ainda que o repórter em mim farejasse algo podre no ar. Antes de julho chegar ao fim, estava completamente no combate àquele tipo de (des)organização “horizontal” que foi tomada, por dentro e por fora, pelos fascistas e serviu de massa de manobra de multidões (alguns, inclusive, sinceramente ‘bem intencionados’) contra o governo federal. No entanto, a comunicação digital, o poder de um(a) jovem ativista com uma câmera e uma boa banda de internet deixou claro que as águas estavam divididas. Dilma, enfim, à época, com erros e acertos, confrontava o tal “mercado financeiro”. Nunca foi por vinte centavos. Mas a luta contra o rentismo, os juros escorchantes e a brutal desigualdade a que isso leva hoje, uma década depois, nos vemos na premência de ressuscitar, reviver e vencer para que a combalida soberania do Brasil sobreviva.

Bem, vou dando voltas, digressão a digressão, mas retomo o ponto inicial: escolhi 7 de abril por ser o “Dia do Jornalista”, estabelecido pela ABI em homenagem a Badaró – que manteve um jornal crítico ao Império. O nome, em latim, “Tempus fugit”, o tempo foge, sempre me tocou e mesmo sabendo que já era o nome do site do saudoso Rubem Alves, ainda assim o adotei para o meu blog pelo tanto de significado que encerra pra mim e pra muitos. Algum vetusto editor do século XX chamaria esse meu longo intróito de “nariz de cera”: “-Ora bola, vamos direto ao ponto. O que, quando, onde, como e por que! O lead, diabos! O LEAD!”

A técnica do texto jornalístico se aprende em meses até entrarmos no automático. Há décadas considero as faculdades de jornalismo meras oficinas preparatórias para funcionáros das empresas da mídia comercial e para o exército de reserva, os desempregados, que estarão ali, com seu diploma debaixo do braço, assinando seus textículos como “jornalista diplomado”… e desempregado, como a maioria deveria acrescentar. Falta consciência de classe nessa turma. Sobra soberba. Bela profissão liberal que, ao contrário das outras nascidas ou renascidas no Iluminismo, hoje forma uma tropa dispersa, dividida pelas ideologias, pelo corporativismo mais tacanho e pelo dogmatismo míope da maioria das “lideranças” nacionais da categoria.

Se você chegou até aqui, obrigado. Foi tudo também para relembrar o belíssimo texto de Ricardo Gondim que viralizou (ah, adoro neologismos) quando Abujamra o disse, como quem nos fere a punhal, em seu programa “Provocações” na TV Cultura, hoje à cargo de um velho repórter Ernesto Varela, digo, Marcelo Tas – que pelo bem do pensamento e do humor nacional jamais ter deveria ter saído do personagem Varela. Que falta faz Antonio Abujamra para o pensamento nacional na televisão aberta.

O Tempo Que Foge

Eu contei meus anos.
E descobri que tenho menos tempo para viver daqui pra frente do que já vivi ate agora.
Eu tenho muito mais passado do que futuro.
Então já não tenho tempo para lidar com mediocridades.
Eu não quero reuniões em que desfilam egos inflamados.
Inquieto-me com invejosos cobiçando lugar de quem eles admiram.
Eu já não tenho tempo para conversas inúteis sobre vidas alheias que nem fazem parte da minha.
Eu já não tenho tempo para administrar melindres de pessoas idosas, mas ainda imaturas.
Eu detesto pessoas que não debatem conteúdos, mas apenas rótulos.
Eu quero viver ao lado de gente que sabe rir, sabe rir de seus tropeços. Não se encanta com triunfos. Não se considera eleita antes da hora. Não foge de sua mortalidade.
Eu quero caminhar perto de coisas e pessoas de verdade.
Apenas o essencial faz a vida valer a pena, e para mim, basta o essencial. [Ricardo Gondim]

30 de março de 2023

EU SOU MAIS O SAMBA

*por HENRI FIGUEIREDO

RIO DE JANEIRO – Como quase todo guri gaúcho da minha geração, eu cresci junto com o iníco da cena pop-rock brasileira. No RS, especialmente, com o punk-rock. Sempre gostei da MPB que dominava as rádios do RS no fim dos anos 70 e início dos 80 – acreditem, crianças. Claro, sempre houve jabá, mas um jabá que promovia Elis Regina, Chico Buarque, Gil, Caetano, MPB4, Alceu Valença, Zé Ramalho, Fagner, Belchior, Leila Pinheiro, Zizi Possi, Marina Silva e, claro, toda aquela cena pop rock da qual a minha banda favorita, até hoje, é a LEGIÃO URBANA.

Antes mesmo de chegar ao Rio, em 1993, com 20 anos recém-feitos, eu já estava com o ouvido apurado para a Bossa Nova – influência de amigos como Nando d´Ávila, Zé Caradípia, Evania Reichert, Marcel Gusmão e da minha turma que batizamos de a “Tribo das Quartas”. Era muito menino quando surgiu, em fins dos 70, a chamada Música Popular Gaúcha (MPG) que deveria, na minha irrelevante opinião chamar-se Música Urbana Gaúcha (MUG) com Bebeto Alves (que chegou da fronteira fazendo a fusão dos ritmos cisplatinos com o rock e o pop); Nelson Coelho de Castro (cujo violão, a lírica e o compasso ficava entre a bossa nova, o Clube da Esquina e a vanguarda paulista de Arrigo Barnabé, Ná Ozetti, Zé Miguel Wisnik, Tatit e outros); Gelson Oliveira, com seu timbre de negro, inigualável,seu violão excelente e sua também fusão mais para a MPB; e Totonho Villeroy (depois Antonio por ser um nome mais “internacional” quando assinou com gravadora no Rio). Villeroy é o maior hitmaker da Ana Carolina mas muito, muito mais que isso. Lembro dele desde garoto nas belas noites boêmias na maior casa de samba da Cidade Baixa, em Porto Alegre – um bairro roqueiro por natureza.

Cheguei, enfim, ao samba – e foi no Rio, justamente no Carnaval de 93 que meu coração explodiu de alegria e êxtase ao ver o Setor 1 inteiro cantar com o Salgueiro, que seria campeão naquele ano: ô sorte!, como diria o grande e saudoso baterista Wilson das Neves, o preferido de Chico Buarque e meia MPB.

Depois dos anos tristes e graves de pandemia e bolsonarismo, que mancharam de silêncio, luto e caos nossas vidas, vem chegando, enfim, o Carnaval Redentor de 2023. Eu, de volta ao Rio de Janeiro desde 30 de dezembro de 2020, tenho agora a possibilidade de exorcisar os fantasmas destes anos “em que só os ratos” conheceram fartura, como escreveu a roqueira baiana Pitty – outra grande mulher, magnífica cantautora de nossa época. E, se desde 2020, eu venho dando um aperto de saudade no meu tamborim, agora meu tamborim ecoa alto junto com os amigues de Santa Teresa, nos ensaios do Bloco Carmelitas (um dos mais tradicionais da cidade) e no qual eu ainda preciso melhorar muito, mas muito, para fazer jus aos bambas que por lá tocam – ainda que de maneira muito carinhosa (e arriscada 😉 )eu tenha sido convidado para os ensaios.

No sábado, dia 21 de janeiro, participei do primeiro ensaio do Bloco Aconteceu, também de Santa Teresa. Dessa vez, eu cheguei no início e achei que me adaptei melhor à levada. Mas venho pisando nesse chão devagarinho, com humildade, respeito e muito ensaio em casa no meu tamborim de estudo – presente do querido Kléber Komká cujo Batuque Digital foi minha escola no instrumento.

Tenho seguido a opinão dos mestres de tamborim por onde arrisco levar meu instrumento: pratique, participe de ensaio de todos os blocos que puder, toque em casa todos os dias. E tenho usado meu tamborim de estudo feito de naylon perfurado, que quase não emite som e é patenteado pelo Batuque Digital do Kléber e do meu saudoso amigo DJ Goody.

Agora, ensaiando, treinando, batucando achei uma canção de 1971 de Candeia que expressa bem o meu momento. Pra quem nunca abandonou o rock, a MPB, a boa música, a época é de samba. E diz o mestre Candeia, uma das estrelas-guia da minha águia portelense, fundamental para a negritude brasileira, num partido alto que, SEM NEGAR AS ORIGENS, diz que “OS BLAKCS DE HOJE EM DIA SÃO OS SAMBISTAS DE AMANHÔ (com o áudio no primeiro comentário):

Eu não sou africano, eu não

Nem norte-americano!

Ao som da viola e pandeiro

sou mais o samba brasileiro!

Menino, tome juízo

escute o que vou lhe dizer

o Brasil é um grande samba

que espera por você

podes crer, podes crer!

À juventude de hoje

dou meu conselho de vez:

quem não sabe o be-a-bá

não pode cantar inglês

aprenda o português!

Este som que vem de fora

não me apavora nem rock nem rumba

pra acabar com o tal de soul

basta um pouco de macumba!

Eu não sou africano!

O samba é a nossa alegria

de muita harmonia ao som de pandeiro

quem presta à roda de samba

não fica imitando estrangeiro

somos brasileiros!

Calma, calma, minha gente

pra que tanto bambambam

pois os blacks de hoje em dia

são os sambistas de amanhã!

Eu não sou africano!

“NADA A TEMER SENÃO O CORRER DA LUTA”

Por Henri Figueiredo

RIO DE JANEIRO | Começo ouvindo “Caçador de Mim”, de 1981, canção de Sérgio Magrão e Luiz Carlos Sá, eternizada na voz do gênio Milton Nascimento, em pleno regime militar. Diz o refrão: “Nada a temer senão o correr da luta | Nada a fazer senão esquecer o medo | Abrir o peito a força, numa procura | Fugir às armadilhas da mata escura (…) Longe se vai sonhando demais | Mas onde se chega assim?”

Escrevo na manhã de terça-feira, 10 de janeiro de 2023, depois de dois dias intensos acompanhando pelas mídias comerciais, digitais e alternativas de Esquerda os acontecimentos e desdobramentos da tentativa frustrada de golpe de Estado perpetrada por seguidores extremistas de Jair Bolsonaro. Eram oriundos de todos os cantos do país e, em Brasília, vandalizaram os três principais marcos da República: o prédio do STF, o Palácio do Planalto e o Congresso Nacional.

Entre a indignação pelo vandalismo terrorista da massa de manobra (que foi carreada literalmente como gado ao Distrito Federal), com a inédita e veemente condenação midiática de praticamente todos os veículos comerciais, que são a voz dessa entidade chamada “O Mercado”, veio também uma certa euforia pela ‘flopada’ histórica da tentativa de instauração de um novo Estado de Exceção no Brasil – a mais grave tentativa desde a promulgação da Constituição de 1988. De outra parte, li e leio intelectuais a quem respeito profundamente demonstrando um pessimismo que eu diria mais serve para paralisar do que para mobilizar os democratas. Explico: os temerosos consideram que, ao contrário de arrefecer o movimento golpista, as imagens de “demonstração de força bolsonarista” servirão para acirrar mais ainda os ânimos, dividir e incendiar a Nação.

Data venia, discordo com veemência. Nada a temer senão o correr da luta. Por isso, foi importante o povo democrata, em todas as regiões do Brasil, em dezenas de importantes cidades além das capitais dos Estados da federação, sair às ruas para gritar “Sem anistia!”. O Brasil tem, enfim, a grande oportunidade de acertar as contas com sua própria história. E nunca houve um evento que tivesse o poder de unificar os divergentes, mas democratas, como o que o ocorreu no fatídico domingo 8 de janeiro, dois anos e 2 dias depois da invasão do Capitólio por extremistas trumpistas nos EUA e cuja referência, correlação e articulação internacional é mais que evidente.

Nada a fazer senão esquecer o medo. A hora, companheiros e companheiras, amigues (lidem com a novilíngua de gênero neutro) é enfrentamento duro, diário, constante contra os golpistas. Li de uma amiga de Porto Alegre, Ana Vilk, a seguinte informação, plena de ironia, nas redes: “Moro num condomínio gigante. Fui dormir havia várias janelas com bandeiras do Brasil. Fui contar agora, há três. Devem estar viajando”. O principal âncora do Jornal Nacional chamou os radicais bolsonaristas de “vergonha de suas famílias”. A sociedade cobra exemplar punição, apesar da leniência das polícias bolsonarizadas que permitem presos acusados de terrorismo e golpe de Estado portarem seus celulares como se estivem apenas num refúgio público após uma tragédia natural. As autoridades policiais da União, comandadas pelo ministro da Justiça Flávio Dino, ex-juiz federal, ex-governador do Maranhão (além de ser senador eleito), já rastrearam os financiadores dos ônibus. Começarão as intimações e pedidos de prisões temporárias ou preventivas, como ele mesmo informou.

Bem apontou um documento interno da tendência petista Democracia Socialista cujo trecho reproduzo: ““Após nove anos de resistência — iniciada com a ofensiva neoliberal contra o segundo governo Dilma, prosseguida com o governo Temer e aprofundada com o governo Bolsonaro — a vitória democrática e popular com a eleição de Lula inaugura um novo período da luta de classes no Brasil. Repõe em novas condições e com novos (e velhos) desafios a possibilidade da luta pela transformação democrática e socialista no Brasil com amplo impacto internacional.” E é, amigues, esse apoio internacional à Lula e à democracia brasileira, amplamente divulgado pela mídia de todo mundo, é o fiador de que a normalidade democrática será restaurada. Mas não por inércia. Só o povo na rua garantirá o sufocamento, a vergonha, a criminalização do ódio terrorista e o recuo miliciano.

Temo, de um lado, ter apenas repetido platitudes. Por outro lado, longe se vai sonhando demais. E sonho que se sonha junto, realidade torna-se. Por isso, às ruas. Estejamos atentos e vigilantes. O medo não é mau, em si – nos faz medir os riscos. Neste momento, porém, a coragem se impõe como a caçadores que na mata escura sabem que a besta fera é violenta, mas precisa ser abatida. Atentos às armadilhas fascistas. Não passarão!

O DIA MUNDIAL DOS TRABALHADORES PASSOU SEM QUE O POVO DO SAMBA TENHA RENDA BÁSICA E EDITAIS ANUNCIADOS DURANTE A PANDEMIA

Por Henri Figueiredo*

Em quase todos os países do mundo, o dia 1º de maio é celebrado como um dia de lutas e conquistas dos trabalhadores e trabalhadoras. Desde o início da pandemia do novo coronavírus, em março de 2020, no Brasil, há uma grande apreensão num dos principais segmentos da indústria das artes, entretenimento e turismo no Rio de Janeiro e em grande parte do Brasil: como estão conseguindo viver os trabalhadores, incluindo o corpo artístico, do carnaval? Tanto do carnaval de rua quanto do carnaval de escolas de samba. Estivemos em contato com a Liesa, com a Secretaria de Cultura do Rio, com a Riotur e com a Comissão Especial de Carnaval da Câmara Municipal do Rio de Janeiro para saber por que, até agora, não foi liberada a renda básica para os trabalhadores do carnaval.

Milhares de pessoas de diferentes profissões – serralheiros, ferreiros, costureiras, artistas plásticos, profissionais de limpeza, seguranças, carnavalescos e cantores, entre outras – trabalham nos barracões e quadras das escolas de samba. Esse importante setor da economia movimenta muito dinheiro e gera milhares de empregos. Segundo informações da Riotur, o Carnaval de 2019 – que tem os dados mais consolidados – impactou R$ 3,8 bilhões na economia do Rio de Janeiro, com mais de um milhão e meio de turistas na cidade e a ocupação da rede hoteleira em mais de 90% durante o período carnavalesco.

De acordo com a Fundação Getúlio Vargas, (FGV), há impactos diretos (hospedagem, alimentação e bebidas, transporte local, passeios e atrativos e compras) e indiretos (indústria fornecedora de insumos, treinamento, imobiliário, hospitais, entretenimento e logística) na economia. Em 2018, por exemplo, há apenas três anos, foram criados mais de 70 mil postos de trabalho, gerando uma arrecadação de impostos de R$ 179 milhões, sendo R$ 77 milhões de ISS para o Rio de Janeiro, de acordo com dados de uma pesquisa da FGV contidos na edição de 2019 da revista “Ensaio Geral – Informativo Oficial da Liesa”. Entre os turistas, 88% foram brasileiros, que tiveram uma permanência média de 6,6 dias e gastaram R$ 280,32 por dia (média). Já os 12% de estrangeiros, ficaram mais dias e gastaram mais também: 7,7 dias, com gasto médio de R$ 334,01.

A COMISSÃO ESPECIAL DE CARNAVAL DA CÂMARA

Desde 2017, existe a Comissão Especial de Carnaval na Câmara Municipal do Rio. A Comissão é hoje composta pelo vereador Tarcísio Motta (PSOL), pela vereadora Mônica Benício (PSOL) e pela vereadora Verônica Costa (DEM), conhecida como a Mãe Loira do Funk. A primeira reunião de instalação da comissão aconteceu na segunda quinzena de abril e uma das atribuições do grupo é se reunir com ligas, blocos, escolas de samba, foliões e pesquisadores para diagnosticar os principais desafios do carnaval carioca. O objetivo é sugerir propostas de políticas públicas para a defesa,

promoção e garantia do direito ao carnaval. Ao longo do ano a comissão faz reuniões, audiências públicas, debates e pedidos de informação à Prefeitura.

O prefeito Eduardo Paes, no dia 4 de fevereiro, anunciou uma política emergencial para os trabalhadores de escolas de samba e um edital no valor de R$ 3,2 milhões destinado ao carnaval de rua. O edital para o carnaval de rua ficou sob a responsabilidade do secretário de Cultura, Marcus Faustini. Já a Riotur cuida das questões relacionadas às escolas de samba. São questões como estas estão na pauta da Comissão Especial de Carnaval da Câmara.

“Ainda vamos decidir o cronograma das audiências públicas da Comissão Especial de Carnaval”, diz o presidente do colegiado, vereador Tarcísio Motta. “Por exemplo, faremos uma audiência sobre ‘Pandemia e Carnaval’; outra sobre o ‘Caderno de Encargos e o Carnaval de Rua’; e outra audiência sobre o ‘Carnaval na Avenida’, lista Motta. As audiências acontecerão nos próximos meses, talvez uma em maio, outra junho, a terceira em julho ou agosto, dependendo do início do recesso do legislativo municipal. São audiências em que estarão representados o governo, o Ministério Público e vários outros órgãos, ligas, além dos trabalhadores e representantes dos blocos e escolas.

DECRETO DE PAES, DO DIA 26 DE ABRIL, SINALIZA ABERTURA DE EDITAL

O prefeito Eduardo Paes publicou, no dia 26 de abril, no Diário Oficial do Município do Rio de Janeiro, o Decreto Rio 48784 em que abre crédito suplementar do Orçamento da Prefeitura em favor da Secretaria de Cultura. Uma das rubricas (a ação 339031 para “premiações culturais, artísticas científicas, desportivas e outras”) leva a crer de que se trata dos recursos prometidos ao carnaval de rua.

Por outro lado, a Riotur também preparou, por decisão política do prefeito, um modelo de auxílio emergencial para os trabalhadores das escolas de samba. Fontes da Câmara e da própria Prefeitura, confirmam que este documento está sob avaliação da Procuradoria-Geral do Município (PGM). Portanto, não há, até agora, nenhuma notícia efetiva se a renda básica para os trabalhadores das escolas de sambas sairá ou não.

Apuramos que a Riotur acionou as escolas de samba para enviarem listagens de trabalhadores e trabalhadores, especialmente os dos barracões. Portanto há, de fato, um estudo para lançar uma política de renda direta para o trabalhador das escolas – repetindo: um auxílio direto ao trabalhador, e não à escola. Aos artistas, instrumentistas, ritmistas, figurinistas, marceneiros, serralheiros, aos trabalhadores das escolas – os que trabalham no barracão. A questão é: quando esse processo vai sair da PGM e ser efetivado na prática?

Enquanto isso não anda, o movimento #NósPeloSamba, da Rede Carioca de Rodas de Samba, está lançando, no Dia Internacional do Trabalhador, uma campanha de financiamento coletivo. A campanha foi lançada na quadra do Império Serrano e prevê ajudar músicos, produtores e técnicos, que estão sem fonte de renda na pandemia.

RIOTUR RESPONDE DE MANEIRA PROTOCOLAR E LIESA NÃO SE MANIFESTA

A Riotur que pela primeira vez é presidida por uma mulher, a empresária Daniela Maia (filha de César Maia e irmã gêmea do ex-presidente da Câmara dos Deputados Rodrigo Maia), diante das questões formuladas pela reportagem foi sucinta, quase lacônica, nas respostas enviadas pela assessora de comunicação da empresa. Diante da questão se o decreto assinado pelo prefeito Eduardo Paes, em 26 de abril, realoca recursos no montante de mais R$ 3 milhões para o carnaval de rua, via edital, a Riotur responde, por e-mail: “Conforme demonstrado no decreto citado, o valor refere-se à Secretaria Municipal de Cultura”.

Em relação ao andamento do projeto de renda básica, que descobrimos estar trancado na Procuradoria-Geral do Município (PGM) – e que é urgente aos trabalhadores, trabalhadoras e corpo artístico das escolas de samba, a Riotur, em sua resposta, apenas confirmou a informação: “Sim, está para análise da Procuradoria-Geral do Município e estamos no aguardo.”.

A Liga Independente das Escolas de Samba do Rio de Janeiro (Liesa) tem novo presidente desde o último dia 18 de março, portanto a menos de dois meses. Hoje a liga é presidida pelo comunicador Jorge Perlingeiro, que acompanha a Liesa há 37 anos, desde a fundação, e ocupa o posto do economista Jorge Castanheira, que integrou a diretoria da entidade ao longo de 21 anos – como presidente e como vice-presidente. O novo presidente da Liesa já foi o Diretor Social da Liga Independente de 2001 a 2012. A reportagem fez vários contatos com assessoras diretas do presidente, enviou e-mails, mensagens por aplicativos e telefones, por uma semana. A questão central é a situação de financiamento da indústria do carnaval carioca. Como está a captação de recursos públicos e privados e como (e se) a Liesa negocia com a Prefeitura (Secretaria de Cultura e Riotur). Talvez por estarem em plena negociação, ou não, a Liesa preferiu não responder neste momento – de início de nova gestão.

Em época de crise, de acordo com o auditor da Receita Federal Dão Real Pereira dos Santos, 60 anos, que é vice-presidente do Instituto Justiça Fiscal, ouvido pela nossa reportagem, os governos em vez de cortar recursos devem aumentar os investimentos pondo em prática o que em muitos lugares do mundo já está aplicado: o Estado em época de crise precisa gastar mais do que arrecada – senão a crise se aprofunda. “Em época de crise não pode limitar gastos, é preciso ampliar gastos a exemplo do que fazem os EUA, países europeus, a Nova Zelândia – que, inclusive, aumentou salários em plena a pandemia e também os tributos sobre os mais ricos”, exemplifica. Isso serve para a saúde, a segurança, a educação e serve para a grande indústria da cultura do carnaval – que, como vimos no início desta reportagem, aporta recursos bilionários aos cofres públicos, com a sua grande festa e que, nesta hora da crise extrema, vê seus trabalhadores precisando se mobilizar por conta própria na ausência dos auxílios prometidos (e devidos!) pelos governos.

*Henri Figueiredo é jornalista profissional. Mtb 12.085/RS

[Reportagem especial originalmente produzida de maneira PRO BONO para uma publicação do mundo do carnaval. A referida publicação considerou que o material jornalístico acima não se enquadra nos seus “quesitos”. Respeitamos a opinião, repudiamos a censura prévia, desejamos sucesso à referida publicação e que ela se assuma como um catálogo, uma publicação de publicidade e propaganda ou de relações públicas – todas nobres áreas da comunicação. Como disse certa vez o grande e saudoso Millôr Fernandes “”Jornalismo é oposição. O resto é armazém de secos e molhados.”. Ou, para ser mais contemporâneo, poderia citar a baiana Pitty: “Não peço que concorde, não impeça que eu fale. Entendo que discorde, não espere que eu me cale”.]

HMF Mídias Digitais, Jornalismo e Cultura começa atividades no Rio de Janeiro

Jornalista, editor de conteúdo on-line e cinegrafista, Henri Figueiredo abre empresa de comunicação no Rio de Janeiro | Foto: Luciano F./Recreio

Desde o início de fevereiro de 2021, funciona no Rio de Janeiro uma nova empresa de produção de conteúdo para mídias digitais e social media: a HMF. O empreendimento, do jornalista Henri Figueiredo, também está formalmente habilitado para a produção executiva de espetáculos, eventos, congressos; representação artística; edição de livros, jornais e revistas impressos; filmagens e locução de eventos.

Com trajetória de 25 anos como jornalista profissional (Mtb 12.085/RS), esta é a terceira passagem de Henri Figueiredo pelo Rio de Janeiro. Nos anos 90, trabalhou no meio artístico, em produção e assistência de produção de espetáculos musicais e teatrais. Entre 2007 e 2014, foi editor-chefe de Ideias em Revista e do Jornal Contraponto, do Sindicato do Judiciário Federal. Também teve passagem de um ano como analista de comunicação na Roquette Pinto Comunicação Educativa – onde iniciou a sua especialização em mídias digitais, jornalismo on-line, social media e análise de conteúdo e métricas na Internet.

Além de repórter, cronista, articulista e editor, Henri Figueiredo tem vasta produção como repórter-cinematográfico, documentarista e roteirista. Além disso planejou, coordenou ou atuou em dezenas de campanhas educativas, governamentais e eleitorais nas últimas duas décadas, em diversos estados como Rio de Janeiro, Minas Gerais, São Paulo e Rio Grande do Sul. A comunicação política e sindical, a crítica de arte e a crítica da mídia estão entre suas mais frequentes áreas de atuação nos últimos anos.

A HMF Mídias digitais chega para produzir reportagens ligadas aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU, na Agenda 2030; produzir conteúdo jornalístico on-line e impresso sobre o acesso à justiça, justiça social, sustentabilidade ambiental e igualdade racial e de gênero. Também para atuar, no campo do audiovisual, em eventos – tanto na produção quanto na locução, reportagem, captação e transmissão de imagens. E para oferecer soluções em gerenciamento de imagem, agenciamento de carreira artística e gestão de crises.

Além disso, a HMF já inicia fazendo a cobertura jornalística de música, cultura e da arte em suas diversas e plurais manifestações –  com especial destaque para o universo do Carnaval carioca.

Conheça mais sobre a empresa em https://www.linkedin.com/in/henrifigueiredo

Conheça mais sobre Henri Figueiredo no Instagram @henriphoto

Em breve, o lançamento da página oficial da HMF, no Rio de Janeiro.

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QUEM (E O QUE) GARANTE O VOTO?

O que garante o voto? Quem garante o voto? Este artigo vai discutir algumas destas variáveis mas especialmente uma delas: a comunicação de massas – com o foco na comunicação dirigida das redes sociais

POR HENRI FIGUEIREDO*

Ao falarmos das razões de um eleitor ou uma eleitora para confirmar seu voto em determinado candidato ou candidata, seja numa eleição para síndico, para associação de bairro, para vereador(a), prefeito(a) ou para presidente da República, é preciso levar em conta uma série de variáveis quantitativas e qualitativas. A conjuntura política e social importa muito. A economia é decisiva. O grau de conhecimento do eleitorado no candidato ou na candidata tem de ser levado em conta, especialmente numa campanha como a que vivemos, em que a pandemia quebrou (ou, ao menos, atrapalhou) estratégias de aproximação com a população. Por “grau de conhecimento” não refiro apenas ao que se chama, peculiarmente, no Brasil, de “recall”. Este conceito foi retorcido numa simplificação de que se trataria apenas de consecutivas candidaturas – o que daria ao político vantagem (ou rejeição) em relação aos demais concorrentes.

De acordo com o cientista político Benedito Tadeu César, que coordenou o Programa de Pós-Graduação em Ciências Políticas UFRGS, sem dúvida os políticos mais conhecidos e principalmente aqueles que tiveram bom desempenho na eleição anterior têm vantagem em 2020. “Ainda mais porque temos um número muito grande de partidos e de candidatos, o que dificulta para o eleitor gravar todos, e também porque nossa legislação eleitoral, entre outras excrescências, impõe uma disputa individual pelo voto e, ao mesmo tempo, dificulta a divulgação dos novos candidatos”, critica Tadeu César.

Para Tadeu César, as redes, sociais se tornaram um grande instrumento, mas com um poder muito maior de destruição do que de construção de candidaturas. “Claro que, se destrói uma, outra ocupa o lugar, mas é por exclusão e não por construção. Assim, a grande arma nas redes sociais são as fake news. Há outra arma a ser utilizada nas redes, sociais que são os menes. Isso porque um grande definidor do voto é, ao lado da racionalidade e, muitas vezes, bem mais do que ela, a emoção. O eleitor vota por identificação”, explica.

Segundo o cientista político, essa é a grande arma que passou a ser utilizada com maestria pela direita nas redes sociais. A direita, lembra Tadeu César, desenvolveu técnicas de manipulação da emoção pelas redes sociais e, com isso, tem conseguido dirigir o voto de uma imensa massa que se informa mal e que é alvo fácil. “As esquerdas, para terem sucesso nesse tipo de campanha, precisarão aprender a construir propostas com conteúdo e com apelo emocional”, sugere.

OITENTA MILHÕES DE BRASILEIROS SÓ TÊM TV ABERTA

Para Felipe (Piti) Nelsis, que coordenou politicamente, na área da comunicação, oito campanhas eleitorais (seis para prefeitura e duas para o governo do estado), a propaganda eleitoral segue tendo muito peso na definição do eleitorado devido ao fato de que 80 milhões de brasileiros e brasileiras só têm acesso à informação pela TV aberta. “Quais grupos são mais imunes a esta propaganda? Os jovens, que quase abandonaram a TV em qualquer formato e a classe média que assiste fundamentalmente à TV a cabo”, analisa Nelsis.

Felipe Nelsis discorda dos dados que apontam que as pessoas se informam “prioritariamente pelas redes”. “O que aparece em primeiro lugar nas pesquisas é o noticiário (embora seja uma resposta ‘educada’ e não necessariamente verdadeira). A grande novidade é um movimento completamente obscuro, porque fora da nossa capacidade de observação, que é o Whatsapp”, diz. O experiente coordenador de comunicação política eleitoral lembra que ainda existem centenas de milhares de grupos administrados pela tropa bolsonarista que atingem grupos de família, da escola, do trabalho, da igreja etc. “Aí é onde correm as falsas construções legitimadas pelo fato que, de repente, ‘todo mundo está falando do mesmo assunto’ sem identificarmos uma origem – como aconteceria se a fonte fosse um programa eleitoral. Este é nosso desafio gigante”, destaca.

QUEM SOU, O QUE PROPONHO, CONTRA O QUE ME BATO

O jornalista Pedro Osório, que por muitos anos lecionou no Curso de Comunicação da Unisinos, considera que o fato de ser conhecido continua favorecendo significativamente o candidato. “Desde que a sua imagem não seja erodida pela nova, digamos, compreensão sobre a política, estabelecida pelas redes e suas lógicas moralistas e avessas aos políticos. Vimos, na última eleição, candidatos conhecidíssimos derrotados pela referida lógica”, registra. Pedro Osório foi secretário de Comunicação na gestão de Tarso Genro na Prefeitura de Porto Alegre entre 1993 e 1996 – pouco antes, coordenou a comunicação da campanha de Tarso para a Prefeitura, em 92. De 1989 a 1992, na gestão de Olívio Dutra na Prefeitura, foi coordenador de projetos especiais também na área da comunicação.

Na opinião de Pedo Osório, nas campanhas eleitorais, redes e mídias tradicionais (rádio, TV) são complementares, não havendo a prevalência das primeiras. “É certo que Bolsonaro tinha um espaço mínimo no horário eleitoral, mas não esqueçamos que a mídia tradicional tratou de naturalizar o seu modo de ser, enquanto fortalecia e alimentava a ideia do petismo sinônimo de corrupção e roubo. E reproduzia fake news. Veículos de imprensa nacionais, regionais e locais assim procederam. Naturalmente, devemos permanecer muito atentos às redes, pelas suas características e potência. Seja porque podem nos fragilizar, seja porque por meio delas podemos nos defender e avançar propostas, bem como ampliar a indispensável redundância”, analisa.

“Seja por qualquer meio, lembremos que seguem valendo os três pilares de uma campanha eleitoral: quem sou, o que proponho, contra o que me bato. Questões que devem ser respondidas à exaustão, privilegiando uma ou outra de acordo com a conjuntura e o desdobrar da campanha” finaliza Pedro Osório.

IGNORAR O WHATSAPP É SUICÍDIO ELEITORAL

A jornalista e social media Cris Rodrigues, atualmente editora de redes sociais no Brasil de Fato, em São Paulo, considera que as circunstâncias desta eleição tanto favorecem quem já é mais conhecido do eleitorado como também abre espaços para o surgimento de novos nomes que não fazem parte do circuito mais tradicional da política. “Pelo grande acesso às redes sociais e pelo contexto da pandemia, acredito que candidatos menos conhecidos mas que usem bem as redes têm todas as condições de se destacar”, assinala. “Em São Paulo e no Rio de Janeiro, por exemplo, existem vários candidatos que vêm do universo das redes sociais e estão ocupando o espaço na política. Aí eu vejo vantagem naqueles que sabem fazer a disputa nas redes. O político que já é bastante conhecido parte de outro patamar na relação com o eleitorado, mas pode ser alcançando”.

Cris Rodrigues trabalhou nas redes sociais das campanhas Tarso Genro (para governador, em 2014) e de Raul Pont (para prefeito, em 2016), foi também coordenadora de redes sociais no Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, cuidando das redes do Bolsa Família de 2015 até o golpe de 2016. “Esta é uma eleição para se investir muito em redes sociais. Felizes dos candidatos e candidatas que já vinham há mais tempo construindo suas redes. Na minha opinião, quem não trabalhou bem as redes antes da eleição, acredito que agora têm poucas chances”, diz Cris.

A jornalista e social media destaca a comunicação interpessoal feita pelo Whatsapp: “Ignorar as redes, especialmente o Whatsapp, é suicídio eleitoral. Eu diria que as redes sociais podem ser, sim, o vetor de uma campanha eleitoral vitoriosa – se bem usadas. Pode ter campanha vitoriosa sem as redes? Pode, mas acho muito difícil”, arremata.

REDES, RÁDIO, TV E OLHO NO OLHO

Evidentemente, as relações comunitárias e os vínculos históricos na luta sociopolítica são variáveis importantes na conquista do voto: é o que chamamos de “base” de qualquer agente político. No entanto, na maioria dos casos, “a base política” por si só não é suficiente para alçar ou reconduzir um político a um cargo público. Daí a importância da comunicação política de massa, para além do eventual e pontual marketing eleitoral.

É certo que algumas tradições do fazer político permanecem imutáveis e fundamentais na hora da conquista do eleitor e da eleitora: o contato direto, o “olho no olho”, a escuta direta das demandas, críticas e sugestões. A restrição da relação direta com o eleitorado, porém, num ano de pandemia e necessidade de cuidados excepcionais para proteção contra o contágio e a disseminação do coronavírus, interferem drasticamente nas táticas da atual campanha.

Em cidades de médio porte, em que não há segundo turno e nem emissoras de TV, as redes, sem dúvida, cumprem o papel central na massificação da mensagem das candidaturas. Não podem ser consideradas “acessórias” e precisam ter uma ação profissional dirigida, com periodicidade de produção de conteúdo bem definida e, principalmente, uma rede orgânica de militantes e multiplicadores que deem conta de espalhar a mensagem pelas suas bolhas pessoais.

A estrutura criminosa nas redes, mundo afora, construída por nomes como Roger Stone e Steve Bannon, na Grã-Bretanha e nos EUA (e também vitoriosa no Brasil, em 2018) continua operante, principalmente no Whatsapp, e conta com robôs para espalhar desinformação. O mundo vai se dando conta de que a democracia liberal está bastante ameaçada pela manipulação de dados pessoais, disparos dirigidos a parcelas não ideológicas do eleitorado e uso de inteligência artificial para antecipar tendências. Nunca mais faremos (e ganharemos) campanhas, quaisquer que sejam, sem entender o que significa nas redes termos como alcance, engajamento, big data, conversão, trends, impulsionamento etc. Ainda que sejamos amados pelo nosso eleitorado.

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*Henri Figueiredo é jornalista, atua na área de crítica da mídia e de comunicação política. Já atuou em cinco campanhas políticas eleitorais (três de prefeito, uma de governador e uma de vereador); em quatro campanhas sindicais (três na área do Judiciário Federal e uma na dos Metalúrgicos); e em duas campanhas de Movimento Estudantil Universitário – sempre na setor da Comunicação.

PARA SABER MAIS

O FALSO DILEMA DAS REDES | No site OUTRAS PALAVRAS

A PRIVACIDADE (E A DEMOCRACIA) HACKEADA | No site JORNALISTAS LIVRES