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QUEM (E O QUE) GARANTE O VOTO?

O que garante o voto? Quem garante o voto? Este artigo vai discutir algumas destas variáveis mas especialmente uma delas: a comunicação de massas – com o foco na comunicação dirigida das redes sociais

POR HENRI FIGUEIREDO*

Ao falarmos das razões de um eleitor ou uma eleitora para confirmar seu voto em determinado candidato ou candidata, seja numa eleição para síndico, para associação de bairro, para vereador(a), prefeito(a) ou para presidente da República, é preciso levar em conta uma série de variáveis quantitativas e qualitativas. A conjuntura política e social importa muito. A economia é decisiva. O grau de conhecimento do eleitorado no candidato ou na candidata tem de ser levado em conta, especialmente numa campanha como a que vivemos, em que a pandemia quebrou (ou, ao menos, atrapalhou) estratégias de aproximação com a população. Por “grau de conhecimento” não refiro apenas ao que se chama, peculiarmente, no Brasil, de “recall”. Este conceito foi retorcido numa simplificação de que se trataria apenas de consecutivas candidaturas – o que daria ao político vantagem (ou rejeição) em relação aos demais concorrentes.

De acordo com o cientista político Benedito Tadeu César, que coordenou o Programa de Pós-Graduação em Ciências Políticas UFRGS, sem dúvida os políticos mais conhecidos e principalmente aqueles que tiveram bom desempenho na eleição anterior têm vantagem em 2020. “Ainda mais porque temos um número muito grande de partidos e de candidatos, o que dificulta para o eleitor gravar todos, e também porque nossa legislação eleitoral, entre outras excrescências, impõe uma disputa individual pelo voto e, ao mesmo tempo, dificulta a divulgação dos novos candidatos”, critica Tadeu César.

Para Tadeu César, as redes, sociais se tornaram um grande instrumento, mas com um poder muito maior de destruição do que de construção de candidaturas. “Claro que, se destrói uma, outra ocupa o lugar, mas é por exclusão e não por construção. Assim, a grande arma nas redes sociais são as fake news. Há outra arma a ser utilizada nas redes, sociais que são os menes. Isso porque um grande definidor do voto é, ao lado da racionalidade e, muitas vezes, bem mais do que ela, a emoção. O eleitor vota por identificação”, explica.

Segundo o cientista político, essa é a grande arma que passou a ser utilizada com maestria pela direita nas redes sociais. A direita, lembra Tadeu César, desenvolveu técnicas de manipulação da emoção pelas redes sociais e, com isso, tem conseguido dirigir o voto de uma imensa massa que se informa mal e que é alvo fácil. “As esquerdas, para terem sucesso nesse tipo de campanha, precisarão aprender a construir propostas com conteúdo e com apelo emocional”, sugere.

OITENTA MILHÕES DE BRASILEIROS SÓ TÊM TV ABERTA

Para Felipe (Piti) Nelsis, que coordenou politicamente, na área da comunicação, oito campanhas eleitorais (seis para prefeitura e duas para o governo do estado), a propaganda eleitoral segue tendo muito peso na definição do eleitorado devido ao fato de que 80 milhões de brasileiros e brasileiras só têm acesso à informação pela TV aberta. “Quais grupos são mais imunes a esta propaganda? Os jovens, que quase abandonaram a TV em qualquer formato e a classe média que assiste fundamentalmente à TV a cabo”, analisa Nelsis.

Felipe Nelsis discorda dos dados que apontam que as pessoas se informam “prioritariamente pelas redes”. “O que aparece em primeiro lugar nas pesquisas é o noticiário (embora seja uma resposta ‘educada’ e não necessariamente verdadeira). A grande novidade é um movimento completamente obscuro, porque fora da nossa capacidade de observação, que é o Whatsapp”, diz. O experiente coordenador de comunicação política eleitoral lembra que ainda existem centenas de milhares de grupos administrados pela tropa bolsonarista que atingem grupos de família, da escola, do trabalho, da igreja etc. “Aí é onde correm as falsas construções legitimadas pelo fato que, de repente, ‘todo mundo está falando do mesmo assunto’ sem identificarmos uma origem – como aconteceria se a fonte fosse um programa eleitoral. Este é nosso desafio gigante”, destaca.

QUEM SOU, O QUE PROPONHO, CONTRA O QUE ME BATO

O jornalista Pedro Osório, que por muitos anos lecionou no Curso de Comunicação da Unisinos, considera que o fato de ser conhecido continua favorecendo significativamente o candidato. “Desde que a sua imagem não seja erodida pela nova, digamos, compreensão sobre a política, estabelecida pelas redes e suas lógicas moralistas e avessas aos políticos. Vimos, na última eleição, candidatos conhecidíssimos derrotados pela referida lógica”, registra. Pedro Osório foi secretário de Comunicação na gestão de Tarso Genro na Prefeitura de Porto Alegre entre 1993 e 1996 – pouco antes, coordenou a comunicação da campanha de Tarso para a Prefeitura, em 92. De 1989 a 1992, na gestão de Olívio Dutra na Prefeitura, foi coordenador de projetos especiais também na área da comunicação.

Na opinião de Pedo Osório, nas campanhas eleitorais, redes e mídias tradicionais (rádio, TV) são complementares, não havendo a prevalência das primeiras. “É certo que Bolsonaro tinha um espaço mínimo no horário eleitoral, mas não esqueçamos que a mídia tradicional tratou de naturalizar o seu modo de ser, enquanto fortalecia e alimentava a ideia do petismo sinônimo de corrupção e roubo. E reproduzia fake news. Veículos de imprensa nacionais, regionais e locais assim procederam. Naturalmente, devemos permanecer muito atentos às redes, pelas suas características e potência. Seja porque podem nos fragilizar, seja porque por meio delas podemos nos defender e avançar propostas, bem como ampliar a indispensável redundância”, analisa.

“Seja por qualquer meio, lembremos que seguem valendo os três pilares de uma campanha eleitoral: quem sou, o que proponho, contra o que me bato. Questões que devem ser respondidas à exaustão, privilegiando uma ou outra de acordo com a conjuntura e o desdobrar da campanha” finaliza Pedro Osório.

IGNORAR O WHATSAPP É SUICÍDIO ELEITORAL

A jornalista e social media Cris Rodrigues, atualmente editora de redes sociais no Brasil de Fato, em São Paulo, considera que as circunstâncias desta eleição tanto favorecem quem já é mais conhecido do eleitorado como também abre espaços para o surgimento de novos nomes que não fazem parte do circuito mais tradicional da política. “Pelo grande acesso às redes sociais e pelo contexto da pandemia, acredito que candidatos menos conhecidos mas que usem bem as redes têm todas as condições de se destacar”, assinala. “Em São Paulo e no Rio de Janeiro, por exemplo, existem vários candidatos que vêm do universo das redes sociais e estão ocupando o espaço na política. Aí eu vejo vantagem naqueles que sabem fazer a disputa nas redes. O político que já é bastante conhecido parte de outro patamar na relação com o eleitorado, mas pode ser alcançando”.

Cris Rodrigues trabalhou nas redes sociais das campanhas Tarso Genro (para governador, em 2014) e de Raul Pont (para prefeito, em 2016), foi também coordenadora de redes sociais no Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, cuidando das redes do Bolsa Família de 2015 até o golpe de 2016. “Esta é uma eleição para se investir muito em redes sociais. Felizes dos candidatos e candidatas que já vinham há mais tempo construindo suas redes. Na minha opinião, quem não trabalhou bem as redes antes da eleição, acredito que agora têm poucas chances”, diz Cris.

A jornalista e social media destaca a comunicação interpessoal feita pelo Whatsapp: “Ignorar as redes, especialmente o Whatsapp, é suicídio eleitoral. Eu diria que as redes sociais podem ser, sim, o vetor de uma campanha eleitoral vitoriosa – se bem usadas. Pode ter campanha vitoriosa sem as redes? Pode, mas acho muito difícil”, arremata.

REDES, RÁDIO, TV E OLHO NO OLHO

Evidentemente, as relações comunitárias e os vínculos históricos na luta sociopolítica são variáveis importantes na conquista do voto: é o que chamamos de “base” de qualquer agente político. No entanto, na maioria dos casos, “a base política” por si só não é suficiente para alçar ou reconduzir um político a um cargo público. Daí a importância da comunicação política de massa, para além do eventual e pontual marketing eleitoral.

É certo que algumas tradições do fazer político permanecem imutáveis e fundamentais na hora da conquista do eleitor e da eleitora: o contato direto, o “olho no olho”, a escuta direta das demandas, críticas e sugestões. A restrição da relação direta com o eleitorado, porém, num ano de pandemia e necessidade de cuidados excepcionais para proteção contra o contágio e a disseminação do coronavírus, interferem drasticamente nas táticas da atual campanha.

Em cidades de médio porte, em que não há segundo turno e nem emissoras de TV, as redes, sem dúvida, cumprem o papel central na massificação da mensagem das candidaturas. Não podem ser consideradas “acessórias” e precisam ter uma ação profissional dirigida, com periodicidade de produção de conteúdo bem definida e, principalmente, uma rede orgânica de militantes e multiplicadores que deem conta de espalhar a mensagem pelas suas bolhas pessoais.

A estrutura criminosa nas redes, mundo afora, construída por nomes como Roger Stone e Steve Bannon, na Grã-Bretanha e nos EUA (e também vitoriosa no Brasil, em 2018) continua operante, principalmente no Whatsapp, e conta com robôs para espalhar desinformação. O mundo vai se dando conta de que a democracia liberal está bastante ameaçada pela manipulação de dados pessoais, disparos dirigidos a parcelas não ideológicas do eleitorado e uso de inteligência artificial para antecipar tendências. Nunca mais faremos (e ganharemos) campanhas, quaisquer que sejam, sem entender o que significa nas redes termos como alcance, engajamento, big data, conversão, trends, impulsionamento etc. Ainda que sejamos amados pelo nosso eleitorado.

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*Henri Figueiredo é jornalista, atua na área de crítica da mídia e de comunicação política. Já atuou em cinco campanhas políticas eleitorais (três de prefeito, uma de governador e uma de vereador); em quatro campanhas sindicais (três na área do Judiciário Federal e uma na dos Metalúrgicos); e em duas campanhas de Movimento Estudantil Universitário – sempre na setor da Comunicação.

PARA SABER MAIS

O FALSO DILEMA DAS REDES | No site OUTRAS PALAVRAS

A PRIVACIDADE (E A DEMOCRACIA) HACKEADA | No site JORNALISTAS LIVRES

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